Comunidade Emanuel do Brasil

Estejam preparados para o dia seguinte…

Laurente Landete, partilha conosco uma reflexão sobre os dias atuais, diante da necessidade de não simplesmente matarmos esse tempo. 

 

Laurent Landete que está na foto ao lado de sua esposa Christel Landete, foi moderador geral da Comunidade Emanuel. Membro do dicastério para os Leigos, a Família e a Vida.

O estilo de vida confortável – e supostamente assético – em que nos tínhamos instalado deu-nos a impressão de tudo controlar, de tudo dominar e com tanta facilidade.

As consequências desta pandemia, no entanto, revelam-nos a fragilidade de nossa humanidade: estivemos sempre prontos a aceitar essa verdade implacável? “Estejam preparados”, diz-nos Jesus (Mt 24,32). Esse mandamento de Cristo interpela-nos e perturba-nos no mais profundo dos nossos corações de homens.

Os raros momentos em que podemos sair nestes dias, nas ruas de nossas grandes cidades, várias coisas nos chocam. O silêncio em primeiro lugar. Os ruídos ensurdecedores das nossas atividades deram lugar ao raro farfalhar dos passos, aos cantos dos pássaros, ao sopro do vento que, se calhar, já não ouvíamos. Não seria este o grito silencioso da terra? Estávamos prontos para percebê-lo novamente? Como o Faraó de coração endurecido, centrado em nossa própria glória, até pensávamos que Deus estaria sujeito a nós, chegando ao ponto de querer mudar as leis da natureza … Mas tudo é graça, porque essa natureza convida-nos ela própria hoje a retomar o nosso lugar como criaturas e a louvar Aquele que é o seu autor.

Outra coisa nos toca, no seio do vazio insólito das nossas cidades geralmente superlotadas: a presença trágica de pessoas sem abrigo – tão vulneráveis – andando por aí à espera de encontrar quem cuidar delas.

Grito da terra, grito dos pobres …

Certamente mais gritos ecoarão durante a longa provação que aguarda o nosso mundo. Estaremos prontos para ouvir o grito daquelas pessoas, cuja fragilidade psicológica se vai revelar em situações de confinamento e de extrema promiscuidade?

Estaremos prontos para ouvir o das crianças sujeitas à violência de seus pais exasperados, das mulheres que sofrerem a brutalidade de seus cônjuges em casas apertadas das quais não poderão sair, dos homens que se refugiarão no álcool ou na pornografia para ocupar os seus dias ociosos?

Perante a explosão dos media, das relativizações que mascaram ansiedades não reconhecidas e no meio de negligências culpadas de riscos de contágio, qual será o nosso lugar como homens, como cristãos?

Durante essas longas semanas, como nos prepararemos, também nós, para o dia seguinte?

De facto, uma missão inédita está a nascer, uma nova vocação está emergindo de maneira profética: participar do nascimento de outro mundo. Sim, todos esses sofrimentos – por mais severos que sejam – são com efeito os de um parto… Seremos como esses homens que fogem diante da dor do nascimento ou responderemos “Presente!” a esse encontro da história sagrada da humanidade?

Essas circunstâncias forçam-nos a reinventar maneiras de nos falarmos, de nos escutarmos, de trabalhar, de nos movimentarmos, de consumir, de governar, de praticar a nossa fé, mas também, muito simplesmente, de viver.

É hora de nos prepararmos para isso, durante este retiro imposto, durante estas longas semanas, nos nossos lares.

Como S. José, estaremos prontos a responder a tudo o que Deus nos pedir?

“Nos momentos decisivos da sua história, o Espírito Santo virá em socorro da sua Igreja por caminhos excecionais”, dizia o Cardeal Journet.

Nestas horas em que, com as nossas esposas e os nossos filhos, estivermos privados da Eucaristia, alimentemo-nos e deixemo-nos modelar juntos pela Palavra de Deus que nos ensinará tudo. Demos testemunhemos aos nossos próximos da nossa vida de oração. E, se a dúvida chegar, apoiemo-nos neste ensinamento de Cristo: “quando dois ou três estiverem reunidos em meu nome, eu estarei no meio deles” (Mt 18, 20).

No coração de nosso lar, unidos por um dever de amor e pela fé, como pequenos rebanhos, vamos viver uma travessia do deserto da qual devemos ser sólidos pastores. Realmente é esse o nosso lugar, ao lado deles. Não, não podemos fugir! A nossa constância, mesmo nas mais pequenas coisas, será a nossa força e a nossa alegria. Os nossos filhos lembrar-se-ão sempre da nossa fidelidade e transmitirão aos seus próprios filhos tudo o que receberem durante esta jornada. Como depois de uma Quaresma infinitamente longa, esse caminho levar-nos-á a uma passagem, a uma Páscoa inédita. Essa é a nossa esperança! E, como Moisés, ouviremos a voz do Senhor que, depois de mostrar tantos sinais ao seu povo, o leva a uma Terra onde o clamor dos pobres é sempre ouvido, a uma Terra onde o louvor ressoa sem cessar: “Vai a casa do Faraó, pois fui eu que endureci o seu coração, o dele e o dos seus servos, a fim de realizar os meus sinais entre eles, para que possas contar ao teu filho e ao filho do teu filho como eu venci os egípcios e que sinais realizei entre eles. Então sabereis que eu sou o Senhor” Ex 10 (1,2)

Preparem-se! 

Laurent Landete
 (19.3.20, festa de S. José)
Laurent Landete, nascido em 9 de abril de 1965 em Bordeaux/França, foi moderador geral da Comunidade Emanuel de 2009 a 2018. Desde 2014 foi nomeado membro do Pontifício Conselho para os Leigos.  Em 6 de outubro de 2018, foi nomeado pelo Papa Francisco membro do dicastério para os Leigos, a Família e a Vida. Atualmente também é Vice-Presidente Executivo Collège des Bernardins.

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